SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA
A Miragem da Alfabetização
Não têm conta entre nós os pedagogos da prosperidade que, apegando-se a certas soluções onde, na melhor hipótese, se abrigam verdades parciais, transformam-nas em requisito obrigatório e único de todo progresso. É bem característico, para citar um exemplo, o que ocorre com a miragem da alfabetização do povo. Quanta inútil retórica se tem esperdiçado para provar que todos os nossos males ficariam resolvidos de um momento para outro se estivessem amplamente difundidas as escolas primárias e o conhecimento do ABC. Certos simplificadores chegam a sustentar que, se fizéssemos nesse ponto como os Estados Unidos, "em vinte anos o Brasil estaria alfabetizado e assim ascenderia à posição de segunda ou terceira grande potência do mundo"! "Suponhamos por hipótese", diz ainda um deles, "que nos 21 estados do Brasil os governos passados tivessem feito para a atualidade urna população culta e igual aparelhamento escolar, como o que se encontra em cada um dos estados da América do Norte, graças à previsão dos americanos. Nessa hipótese, estaríamos no Brasil com um progresso espantoso em todos os nossos estados. Todos eles estariam cortados de estradas de ferro feitas pela iniciativa particular, todos eles estariam cheios de cidades riquíssimas, cobertos de lavouras opulentas, povoados por uma raça forte, vigorosa e sadia”.
A muitos desses pregoeiros do progresso seria difícil convencer de que a alfabetização em massa não é condição obrigatória nem sequer para o tipo de cultura técnica e capitalista que admiram e cujo modelo mais completo vamos encontrar na América do Norte. E de que, com seus 6 milhões de adultos analfabetos, os Estados Unidos, nesse ponto, comparam-se desfavoravelmente a outros países menos "progressistas". Em urna só comunidade de Middle West, de cerca de 300 mil almas (e uma comunidade, por sinal, que se vangloria de seu apreço às coisas de cultura, a ponto de se considerar uma segunda Boston), é maior o número de crianças que não freqüentam e não se destinam às escolas, afirmava, não há muitos anos, uma autoridade norte-americana em questões de educação, do que em todo o Reich alemão.
Cabe acrescentar que, mesmo independentemente desse ideal de cultura, a simples alfabetização em massa não constitui talvez um beneficio sem-par. Desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação, que a completem, é comparável,em certos casos, a uma arma de fogo posta nas mãos de um cego
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