para quem quer ler e ouvir uma boa prosa sobre aprender e ensinar... e conhecer soluções locais para problemas humanos! uma série de textos e entrevistas...

segunda-feira, 25 de abril de 2011

jane jacobs - morte e vida das grandes cidades

Jane Jacobs
Morte e Vida das Grandes Cidades (trecho)

As crianças da cidade precisam de uma boa quantidade de locais onde possam brincar e aprender. Precisam, entre outras coisas, de oportunidades para praticar todo o tipo de esportes e exercitar a destreza física - e oportunidades mais acessíveis do que aquelas  de que desfrutam na maior parte dos casos. Ao mesmo tempo, no entanto, precisam de um local perto de casa, sem um fim específico, onde possam brincar, movimentar-se e adquirir noções do mundo.
É essa espécie de recreação informal que as calçadas propiciam, e as calçadas movimentadas da cidade tem ótimas condições de fazê-lo. Quando se transfere esse divertimento quase caseiro para playgrounds e parques, ele não só é garantido com um certo risco como há também um esbanjamento de funcionários contratados, equipamentos e espaços que poderiam ser mais bem empregados (...)
É uma enorme leviandade desprezar a presença normal de adultos em calçadas cheias de vida e, ao contrário, apostar (idealisticamente) na contratação de substitutos para ela. É uma leviandade não só do ponto de vista social como também econômico, porque as cidades sofrem de uma escassez drástica de dinheiro e de pessoal para utilizar o espaço de maneira mais interessante que com playgrounds – e de dinheiro e pessoal para outros aspectos da vida das crianças (...)
Os urbanistas parecem não perceber quão grande é a quantidade de adultos necessária para cuidar de crianças brincando. Parecem também não entender que espaço e equipamentos não cuidam de crianças. Esses podem ser complementos úteis, mas só pessoas cuidam de crianças (...)
É uma insanidade urbanizar cidades de modo a desperdiçar esse potencial humano de cuidar das crianças e deixar incompleta essa tarefa essencial – com consequências terríveis – ou obrigar a contratação de substitutos. O mito de que os playgrounds e os gramados e os guardas ou supervisores contratados são inerentemente benéficos para as crianças, enquanto as vias públicas, cheias de pessoas comuns, são inerentemente nocivas, revela um profundo desdém pelas pessoas comuns.
Na prática, é só com os adultos das calçadas que as crianças aprendem – se é que chegam a aprender – o princípio fundamental de uma vida urbana próspera: as pessoas devem assumir um pouquinho de responsabilidade pública sobre as outras, mesmo que não tenham relações com elas. Trata-se de uma lição que ninguém aprende por lhe ensinarem. Aprende-se a partir da experiência de outras pessoas sem laços de parentesco ou de amizade íntima ou responsabilidade formal para com você, que assumem um pouquinho da responsabilidade por você (...)
Algumas calçadas são sem dúvida ruins para a criação de crianças. São ruins para qualquer pessoa. Nesses lugares precisamos promover as virtudes e as instalações que propiciam segurança, vitalidade e estabilidade das ruas. Trata-se de um problema complexo e fundamental no planejamento urbano. Em bairros com tais deficiências, enxotar as crianças para parques ou playgrounds é, além de improdutivo, uma solução ainda pior para os problemas das ruas e para as crianças.
A idéia de se livrar das ruas, desde que isso seja possível, e depreciar e menosprezar sua função social e econômica na vida urbana é uma das mais nocivas e destrutivas do planejamento urbano ortodoxo. É o máximo de ironia que ela seja posta em prática com tanta freqüência em nome de fantasias nebulosas sobre a criação de crianças nas cidades.

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